Aspásia Camargo - Relatório Reservado

Artigos: Aspásia Camargo

O Nobel que demorou demais a chegar, premiando a inovação

21/10/2025
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“O mundo levou mais de cem anos para reconhecer a genialidade de Schumpeter.”  

  

O grande homenageado do Prêmio Nobel de Economia de 2025 não está entre os vivos. Chama-se Joseph Schumpeter e há quase 90 anos, em seu livro “Capitalismo, Socialismo e Democracia” (1942), formulou a genial ideia que o mundo inteiro agora aplaude e reconhece: a força do capitalismo reside na sua capacidade de autodestruição criativa, isto é, de se reinventar. E a História comprova que este capitalismo, embora conserve o mesmo nome ao longo dos séculos, vem periodicamente sofrendo tais metamorfoses que às vezes a gente mal o reconhece. Schumpeter já havia antecipado o conceito em 1911, em “A Teoria do Desenvolvimento Econômico”, ao descrever o capitalismo como um sistema que vive de romper o próprio equilíbrio — uma intuição juvenil que a História levou um século para confirmar.  

  

Curiosamente, o grande economista nunca recebeu o Nobel — não por falta de mérito ou reconhecimento, mas porque o prêmio ainda não existia quando morreu, em 1950. O Prêmio de Economia só seria criado em 1968, pelo Banco Central da Suécia. O de 2025 é, portanto, uma reparação histórica tardia — uma homenagem a quem entendeu o futuro antes mesmo que ele chegasse. É apenas surpreendente que o conceito tenha levado tanto tempo para ser testado e comprovado. A criatividade humana, afinal, é veloz para inventar máquinas e aplicativos — mas lenta para compreender as ideias que as inspiram.  

  

A metade do prêmio deste ano coube ao brilho erudito do veterano Joel Mokyr, o historiador cuja obra reescreveu a Revolução Industrial no início da década de 90, não como epopeia das máquinas, mas como trama das ideias quando elas se sustentam em uma cultura de confiança no conhecimento na qual engenheiros, cientistas e artesãos qualificados exercem o seu talento e curiosidade. A outra metade foi repartida entre Philippe Aghion e Peter Howitt, dois economistas que traduziram a intuição de Schumpeter em equações — e provaram, matematicamente, que o progresso é um processo de substituições sucessivas através das quais o novo mata o velho com a elegância impiedosa de uma lei natural darwiniana.   

  

Há prêmios que celebram novas descobertas; mas este celebra uma evidência tardia. Afinal, hoje a inovação, que é o nome atual que damos para destruição criativa, está por toda parte e é vertiginosa, desdobrando-se e multiplicando-se incessantemente.  Virou um método de produzir, um estilo de vida, dos algoritmos à inteligência artificial que não nos dá sossego.   

  

No Brasil, a cultura oficial dominante tem se revelado hostil à inovação, isto é, a qualquer mudança profunda que possa abalar o status quo.  Vivemos a inovação por tabela, inventada por outros longe daqui. E, além do mais, ainda não percebemos que a destruição criativa também se dedica a demolir ideias, elites fracassadas e instituições que envelhecem. Nossas elites estão fora de compasso, comprometendo o futuro de um país que precisa se reinventar.  

  

Outra questão crucial que permanece em aberto é se o capitalismo, nesta sucessão de metamorfoses que ele viveu nos dois últimos séculos, continua o mesmo, ou se não foi perdendo também a sua própria identidade.  Mudou de figura, mas não mudou de nome. Não estamos, talvez, caminhando para uma sociedade pós-capitalista, ou que nome tenha, no limiar de uma nova civilização e de uma nova era? Caberá – quem sabe? – a outro prêmio Nobel nos esclarecer sobre essa importante controvérsia.

Aspásia Camargo é Doutora em Sociologia pela École des Hautes Études da Universidade de Paris, foi vereadora e deputada estadual, além de ter ocupado a Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro. Presidiu o IPEA e comandou a Secretaria Executiva do Meio Ambiente, colaboradora especial do Relatório Reservado.

#Joseph Schumpeter #Nobel

O furacão Trump e o nacionalismo brasileiro

7/08/2025
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O furacão Trump vem incomodando e irritando a Deus e a todo mundo, desde que ele ganhou a eleição, provocando animosidade e revolta. Mas o fato real é que sua arrogância não conseguiu esconder as fraquezas cravadas em sua própria testa: “Make America Great Again”. Parece que o império americano, que já foi tão grande, deixou mesmo de ser. Assi como parece que Trump se tornou a busca da dignidade perdida. Dificilmente os Estados Unidos voltarão a ser tão grandes quanto no passado, e o “Maga” não é apenas uma frase de efeito, mas o sinal de debilidade que vinha se agravando por surtos desde o início dos anos 70.

O fato paradoxal é que a globalização dos anos 90, que deixou o Brasil de calças curtas, pode ter sido o último soluço de grandeza do império americano, que brotou dos escombros da velha União Soviética como o momento triunfal do liberalismo e da democracia. É surpreendente. Parece que a globalização americana deu errado… para os americanos! Mesmo com o enriquecimento colossal das big techs. Não obstante o poder mundial do capital financeiro, os Estados Unidos se protegem graças às lamúrias de Trump no altar dos sacrifícios de um liberalismo que parecia triunfal. Agora, ele o líder está tentando se livrar da ordem global a picaretas, quem sabe para inventar uma outra que lhe pareça melhor.

A demolição das instituições globais provoca protestos e revoltas, mas, para nós, brasileiros, pouco há do que lamentar. A globalização foi a grande madrasta do Brasil e não temos por que chorar no seu enterro, e muito menos no altar dos sacrifícios de um multilateralismo que pouco fez por nós. Na verdade, muita coisa permanece errada no multilateralismo tosco das Nações Unidas: as guerras incontroláveis e fratricidas que prosperam sob o olhar complacente do Conselho de Segurança da ONU; o acordo global sobre as mudanças climáticas, que já vem se arrastando há décadas sem produzir nenhum resultado; e o planeta Terra que já alcançou 1,5oC de aumento da temperatura global, ultrapassando o seu limite e aproximando-se de uma calamidade global.

Também pudera: seis países do mundo são os grandes poluidores que não assumem sua responsabilidade, enquanto os quase 200 restantes não emitem nada. Apenas participam como figurantes e vítimas que não mandam nada. É a tragédia dos Commons que respondem pelos crimes de uma minoria que tem poder de veto. As decisões são tomadas por unanimidade nesse falido sistema multilateral! Ninguém lamenta o morticínio que continua no coração da África. E o Haiti, continua violento, ignorando as tentativas frustradas das Nações Unidas de organizar o caos.

No caos da Era Trump estamos cercados pelo inesperado e pelas incertezas. Às vezes positivos. A última surpresa foi assistir ao ressurgimento no Brasil do pulsante nacionalismo que há muito parecia ter sido enterrado pela globalização. E o mais curioso é que este nacionalismo se espalhou no espectro político brasileiro, cobrindo de A a Z e chegando até os redutos do povão. Ouvimos daqui e dali vozes de admiração por uma “Embraer é nossa” e que trouxe de volta o orgulho perdido. Até o presidente Lula vem declarando solenemente que “o Brasil é nosso e nossos minerais estratégicos não estão à venda. Uma boa intenção logo desmentida por seu angustiado e menos patriótico ministro da Fazenda. Os minerais estratégicos, afinal, estão ou não estão à venda?

#Brasil #Trump

China descobre a economia do mar brasileira

17/04/2025
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Há muito tempo que nossos pensadores apontam a importância de dar maior valor agregado à exploração de nossos recursos naturais. Helio Jaguaribe desde os anos 50 falava em diversificar essa produção agroextrativista e aumentar sua produtividade, acumulando assim capital para promover outros investimentos mais caros e complexos. Como secretária executiva do Meio Ambiente, ainda nos anos 90, adaptamos esta linguagem aos novos tempos: precisamos fazer o casamento feliz entre a biodiversidade e a biotecnologia. O estoque de biodiversidade é o nosso bem mais precioso, pois somos um país megadiverso, o mais diverso do mundo. Esta riqueza natural que cantamos em prosa e verso desde nossas origens, louvando o verde de nossas matas e a riqueza de nossos minérios, agora se converteu em um precioso ativo para gerar recursos e enriquecer o país, desde que possamos ligar a biodiversidade aos ganhos da biotecnologia. Como todos sabemos esta é a esfera mais inovadora e criativa da revolução tecnológica mundial.

Mas há agora um novo nicho que se abre de maneira promissora: a geoeconomia marinha, isto é, a economia do mar, de valor incalculável que temos em superabundância e que desperta o interesse de todos os países sábios e espertos do mundo. Nossos maravilhosos cientistas estão fazendo milagres, explorando as possibilidades genéticas das espécies marinhas e descobrindo sua capacidade regenerativa. Trabalham com muita inteligência e capacidade de inovar, mas com raros, raríssimos recursos porque o governo prefere alocar o pouco que tem no lugar errado.

Lançamos recentemente, com a brilhante colaboração da revista Insight Inteligência (https://insightinteligencia.com.br/), uma campanha para que o Brasil evolua do pré-sal ao “pré-mar”. É isto mesmo. Queremos e podemos liderar este processo. Por enquanto, porém, na lista dos países sábios e espertos não está o Brasil, mas, sim, Noruega e China, maior produtora de pescado do mundo. O Brasil não está na lista dos demais. Somos sempre um pouco lerdos, mas, se quisermos, podemos ser a superpotência em bioeconomia no mundo, pelo menos na relação dos dez mais!

E agora surge uma extraordinária oportunidade criada, pasmem todos, pela China e não pelo Brasil. No seu radar em busca de rápidas respostas à crise internacional, chegou hoje ao Brasil uma delegação chinesa disposta a abrir o seu mercado para os peixes brasileiros. Esta é a oportunidade que temos para produzir mais e melhor, usando tecnologia avançada e pesquisadores de altíssimo gabarito, para promover e reativar a indolente economia nacional. Vamos lá!

Esta leva de recursos marinhos pode permitir a produção de alimentos:  peixes, vieiras finíssimas, camarão etc. Podemos fabricar cosméticos de alto valor agregado que custam os olhos da cara. Podemos promover corais que reproduzem naturalmente as espécies marinhas e que descarbonizam os oceanos, hoje caminhando para a fase terminal. Podemos ser os salvadores do planeta ao produzir algas que são, além de fertilizantes, espécies que absorvem carbono. Seu preço vem subindo no mercado. A Costa do Rio de Janeiro está pronta para descobrir esses produtos.

Terminando por onde comecei: corremos o risco de exportar, como sempre, nossos produtos sem maior valor agregado e depois receber os peixes de volta processados industrialmente. Foi assim com a soja. Não podemos repetir a experiência. O perigo é esse: ficar onde sempre estivemos. Na periferia das grandes potências. E ainda nos arriscamos de comprar do país que industrializa o produto aquilo que nós produzimos. Eita, Brasil!

Aspásia Camargo é colaboradora especial do Relatório Reservado

#China #Comércio Exterior

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